quarta-feira, 30 de abril de 2014

O meu 25 de Abril



Olá! Então que tal o feriado? Da minha parte ficámos comemorados. Correr também é um acto de liberdade e ontem foram 7,5km. Ás vezes esqueço-me de como é bom. Alapo no sofá, na cama... Hmm ventosas malditas! "Ah é porque está frio" Sou uma fraca e depois perco estes momentos de entrega deliciosos. Ao estudar fervorosamente o facebook neste dia verifico que toda a gente da minha geração se manifesta acerca do assunto. "Obrigado Capitães de Abril", "um dia histórico", "um dia memorável". Respeito tudo isso, ou não porque a maioria até é para ficar bem, mas não consigo ter qualquer tipo de intervenção porque não conheci outra realidade. Nao sei como era viver antes do 25 de Abril, quer dizer só de boca, de algumas leituras e dos trabalhos da escola. Fica difícil falar de uma coisa que não se sentiu na pele... acho eu. Estamos a comemorar o dia da liberdade e hoje as amarras são outras, e vão existir sempre outras e outras quando estas se quebrarem. Será que hoje já ninguém vai preso por dizer o que pensa? Hmm se eu fosse dizer tudo o que me apetece, ai mãe que eu sou tão aguçada. Mas aprendi a ficar calada porque me roubaram a confiança e a coragem e isso não é liberdade. Aliás como se diz e bem dito a nossa liberdade acaba quando começa a dos outros, logo não há liberdade porque há um travão a ela. "Ah porque temos que olhar primeiro para nós antes de criticar" Eu olho muito bem para mim e sofro com as minhas falhas, olho eu e olha o resto. Se tenho sempre alguém que se "preocupa" comigo porque é que eu n me posso preocupar com os outros não é?? Percebem porque é que eu odeio estas promoções de comportamentos pseudo-tolerantes por parte de algumas pessoas? Porque isso não existe. Quem é tolerante de uma maneira ou de outra acaba por não ser livre não é? Tolerar significa “aguentar”, “engolir”. Nós não toleramos as pessoas de quem gostamos. Gosta-se e pronto. Mas eu acho muito bem a tolerância, a diplomacia senão as convivênvias diárias tornar-se-iam um inferno (a Paz Podre dá muito jeito), mas isso não é Liberdade. No entanto toda a gente quer procurar a Liberdade. Então a tolerância ás vezes fica um bocado de parte. Está confuso? Pois está porque a vida ela própria é confusa, eu sou confusa, porque é que o texto não havia de ser?

Deixo-vos com um outro texto de uma senhora, a mãe da Joãozinha, vocês não conhecem, mas que retrata aos olhos dela um bocadinho da importância desta data:

 Recordar Abril

"Foi com grande entusiasmo que ouvi, pela primeira vez, a minha filha de dez anos, falar da Revolução de Abril, sem dúvida devido ao facto de tanto se falar nas comemorações do 20º aniversário daquela data.
Referia-se ela a uma revolução sem sangue, aos militares de Abril e ao trabalhito de grupo que havia feito na escola sobre aquele tema.
Não pude conter as lágrimas e falei-lhe então duma mãe – a minha - , destroçada pelo sofrimento de ter perdido em Moçambique o seu mui querido filho. Morto em combate no dia 30 de Abril de 1974, em Vila Paiva de Andrade – uma zona calma onde já fizera várias missões mas que, após o conhecimento da Revolução de Abril havida em Lisboa, virou em zona de combates renhidos. Num deles, o seu filho, ferido mortalmente no baço, perdeu prematuramente a vida aos 24 anos de idade.
Recordei a triste notícia, que nos foi dada pelo nosso Reverendíssimo Padre Canário, o telegrama de condolências enviado pela Forças Armadas, o caixão selado que nos entrou em casa, as cerimónias fúnebres prestadas por pára-quedistas de Tancos, os gritos da minha mãe dilacerados pela dor, o negro xaile e lenço que durante anos e anos lhe cobriram o corpo, as lágrimas que lhe escorriam pela face e a revolta que ela sentia ao ouvir aclamar os heróis de Abril. “E Ele, o seu filho, o sangue do seu sangue, D’Ele ninguém falava,. Ele não era herói”.
Recordei também os Natais e Páscoas sem alegria e todo um período pós Abril, tingido de luto, lágrimas e amarguras…
Centenas de vezes imaginei o leito de morte do meu irmão, os seus derradeiros momentos: estendido no mato, só desamparado, esvaído em sangue, a separar-se lentamente da vida e a suplicar: «Mãe, ajude-me, eu não quero morrer». Centenas de vezes roguei a Deus que esses dolorosos momentos não tivessem sido como eu os pensei, que a morte lhe tivesse sido súbita.
Recuo mais alguns anos atrás e revejo com saudade o rapazinho inteligente e despreocupado que, assobiando avenida abaixo, livros na mão, guarda-chuva debaixo do braço, se dirigia, juntamente comigo para o colégio de Figueira. Esse rapazinho era o meu irmão – o irmão que eu perdi em Abril – o tio que eu gostaria tanto, mas tanto que a minha filha tivesse conhecido.
Ela compreende, agora, quão doloroso é, para mim, recordar Abril, pois vivi Abril com sofrimento vivo-o com sofrimento e vivê-lo-ei sempre com sofrimento.
Ao longo de todos estes anos me tenho interrogado: porque é que o meu irmão morreu? Porquê e para quê? Como ele, tantos outros!... E os mutilados da Guerra? Foram defender a Pátria e afinal a Pátria que todos julgávamos ser nossa, foi simplesmente dada de mão beijada, sem garantias, sem o mínimo respeito por todos aqueles que derramaram o seu sangue.
Também me interrogo quantas das crianças que agora fizeram os seus trabalhitos para a exposição de Abril – da escola primária, do ciclo e da Secundária -, saberão que no cemitério da sua vila, se encontram sepultados, lado a lado, três soldados que deram a vida em defesa da Pátria?
Poucas, decerto, pois na sua cabecita apenas têm lugar os heróis da Revolução. Algum dia, alguém lhes terá falado deles?
Que homenagens lhes foram prestadas ao longo destes vinte anos? Eles têm sido simplesmente ignorados de todos e por todos.
Não quero terminar, sem contudo fazer um apelo: Queridas crianças, aqueles três jovens, a quem prematuramente foi ceifada a vida, lá estão no nosso cemitério e esperam a vossa visita. Lá de Cima eles dirigem-vos uma prece: “Por favor não nos esqueçam, nós também fomos Heróis”.
O meu muito obrigado ao Ecos da Marofa pela possibilidade que me deu de publicar estas palavras, que não são senão a expressão sincera do meu sentir. Com elas presto homenagem ao meu irmão e aos outros dois soldados que, com ele, jazem."

Fuleca 10- 5 - 1994

Até já!

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